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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Amor-perfeito

 
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- Mamã o que estás a fazer?
- Estou a semear amores-perfeitos, princesa.
- Amores-perfeitos?
- Sim, são umas flores lindas. Vais adorá-las!
- Mas como é que elas aparecem?
- Crescem a partir destas sementes se lhes deres muitos miminhos.
 
E naquele dia começou a nova paixão de Margarida que desde aí acordava de manhã e corria para o jardim, para ver se o amor nascera, tal como dizia na inocência dos seus seis anos.
Não mais se esquecera da primeira vez que viu um amor-perfeito florescido, ficando horas aguardando que também os outros desabrochassem.
Quando as flores começaram a murchar a mãe dera-lhe um caderno para que nele criasse o seu próprio jardim. Para tal, escolhiam de todos os amores-perfeitos aquele a que chamavam o verdadeiro e era esse que Margarida colava no seu eterno jardim, ao lado do desenho que fazia para que mesmo quando a flor secasse não perdesse a cor.
Ano após ano, semear, dispor e cuidar de amores-perfeitos era uma actividade que a ligava à sua mãe e que ambas adoravam, apreciando cada minuto em que da terra cultivavam o seu amor. 
Hoje Margarida não é mais menina, mas sim mãe e recordando a sua infância ensina agora a sua pequena filha a cuidar daquelas flores de cores vibrantes. A sua mãe, agora avó, junta-se a elas e, as três sentadas no banco de jardim, desfolham os inúmeros cadernos que Margarida preenchera, revivendo cada carinho e ansiando que um amor assim nunca esmoreça. 

sábado, 11 de agosto de 2012

Sê tu mesmo, sê autêntico!


Deitada na cama sobre o edredão de tons azuis e verdes que do mar a faziam lembrar, olhou para o seu pequeno aquário que se encontrava sob uma das mesas-de-cabeceira. Nunca as enchera de fotografias ou recordações preferindo sempre que estas lhe enchessem a alma. Contudo os peixes acabavam sempre por lhe trazer boas memórias.
 Em criança adorava tentar apanhar peixes com um camaroeiro e uma vez acabou mesmo por conseguir, porém ficou tão assustada com a apoquentação do peixe que logo o devolveu à água.
Quando estava aborrecida com o mundo, Marina tinha por hábito falar com os peixes. Sabia que as pessoas jamais a compreenderiam como os peixes, assim como não compreendiam essa sua atitude de desabafar com estes, porém ela sentia-se em paz com isso, pois também ela não entendia muitas das acções do ser humano.
Pensava em como por vezes se sentia longe do mundo e perto da loucura, mas seria mesmo assim?
Será que temos todos de olhar para o mar e ver apenas as ondas ou será que devemos olhar para ele e ver como reflecte o céu?  
Sentia-se um pouco sem ar e exausta por viver apenas existindo, segundo o que lhe diziam. Portanto decidiu fazer uma promessa e, como fazia antigamente com as tarefas, escreveu-a numa folha para não mais se esquecer e colocou-a ao lado do aquário. De seguida leu em voz alta: Eu vou ser alguém! E repetiu-o inúmeras vezes com a esperança de que assim se tornasse mais real.
Enquanto isso, Atlântida – a mais velha dos três peixes – saltou do aquário, salpicando a folha com uma enorme gota de água.
Marina foi buscar um pano para limpar a água espalhada também pelo chão e ao voltar viu que a folha estava encarquilhada e seca, podendo agora ler-se: Nós não nascemos para ser alguém, nascemos para ser quem somos.
E logo lhe veio à memória que esta era uma frase que a sua avó sempre lhe dissera em pequena, mas que ela nunca entendera e que mais tarde não lhe pudera ser por ela explicada.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Retratar a tua essência


Após percorrermos alguns metros a pé encontrámos o lugar ideal.
Montei o cavalete, peguei na paleta, deitei sobre ela um pouco de cada cor e fiz algumas misturas para criar uma cor única simplesmente para ti.
Queria pintar, mas queria ainda mais saber retratar a tua essência.
Ao olhar para o teu rosto as minhas escondidas inseguranças dissiparam-se, dado que os teus olhos reluziam como nunca e o teu olhar era capaz de cativar até os pirilampos que avistava ao longe.
Peguei num dos pincéis, pincelei cada um dos traços do teu doce rosto e sussurrei: Parece que o céu escureceu só para fazer brilhar o teu rosto sob as estrelas.
E pouco depois notei que não permanecias mais sentado a fixar o horizonte como eu te pedira e senti a tua mão a puxar a minha, afastando-me dali.
Seguravas um frasco e olhavas para cima, para os pirilampos que inexplicavelmente agora nos rodeavam. E como que por telepatia decidimos começar a correr entre eles e as nossas gargalhadas. Tu, sempre hábil, conseguiste até capturar um, chocando de seguida comigo e dizendo-me:
Podem existir mil rostos no mundo, podem ser usadas infinitas técnicas de pintura ao retratar cada um deles, mas o teu será sempre o mais perfeito, será sempre o que não precisa da luz das estrelas para brilhar.
E depois desta frase, juntámos as mãos no topo do frasco e depressa as retirámos para soltar o pirilampo que voou pelo meio de nós e nos uniu em mais um beijo.


quarta-feira, 28 de março de 2012

Amar sem tempo


Debruçada sobre o parapeito da janela revejo este dia e apercebo-me de como o tempo é impaciente e não espera por nós.
Torna-se cada vez mais complicado acompanhá-lo, pois os ponteiros não param de correr e marcam tempos insuficientes para amar.
São lembranças o que carrego e desejos o que procuro.
São aqueles teus doces beijos que não caiem no esquecimento e fazem com que o tempo realmente voe ao pé de ti.
Amar (sem tempo) é estar ali ou acolá quando permanecemos sempre aqui, não é mais do que voar sem asas.
Longe de ti as horas são longas e o tempo horas, mas ao teu lado as horas são escassas e o tempo momentos.
Hoje sei que é o amor que nos transporta para além dos minutos, para além das expectativas e eterniza o tempo.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Fotografia ao luar

Fotografia de Adéla


A noite, um pequeno e fugaz momento de descanso acabara de se tornar num tão longo e desconcertante desassossego que nem a lua que espreita pela janela consegue acalmar.
As temperaturas estão baixas e por isso vou-me deixando ficar na cama, envolta nos quentes lençóis que há dias partilhávamos e que agora se tornaram demasiado nostálgicos. Talvez seja o sono a dominar-me, contudo noto neles o teu cheiro e quase que te consigo sentir a beijar-me antes de adormecer.
Será que aqui estás?
Acreditar que sim não sei se me descansa ou se me abala, mas gosto de pensar que estás comigo outra vez. Gosto de olhar em redor e ver aquelas nossas fotografias, ver o passado a devolver-te ao presente.
Secalhar em sonho, oiço-te dizer-me que o vento tudo leva e tudo traz e o meu coração estremece.
Sendo que tudo parece mais nebuloso após o ecoar do despertador, pois a tua almofada permanece ali a ocupar o lugar que é teu e não dela. Decido puxá-la até mim e juntá-la à minha, porém ao arredá-la vejo um envelope branco com belos contornos a prateado. Sentindo-me ainda mais confusa rapidamente o abro e encontro nele uma fotografia tua. Estás deitado ali mesmo ao meu lado envolto nos mesmos lençóis em que me encontro. Na parte detrás estão as palavras que antes de ir nunca me disseste: Distância não é ausência e proximidade nem sempre é presença, por isso e para que não notes que fui fico aqui contigo nesta fotografia ao luar.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Terra minha

Pintura de Pedro Weingärtner

Enquanto os seus pais, uma vez mais, trabalham a terra ele dá os seus primeiros passos na agricultura. Traz hoje calçadas umas botas que diz serem como as do avô e ao ombro carrega a sua enxada, preparado assim para fazer os seus primeiros sulcos no terreno por onde passaram diferentes gerações da sua humilde família.
Ao longe vejo no seu rosto a alegria de ali estar, a honra de ser parte daquela gente e daquela terra.
Noto que não perdera ainda a sua inocência de criança e ao cair da noite posso observá-lo a pegar nos pedaços de terra endurecidos atirando-os para o horizonte.
Minutos depois, pega na sua enxada e ruma a casa onde a sua avó está sentada num cadeirão que quase não consegue fazer balançar.
Ao chegar encontra-a envolvida na manta antiga que em pequeno o aconchegara e coloca-se de joelhos junto a ela sussurrando-lhe apenas:
- Hoje peguei na nossa história e mandei para longe o Carlos, pois de agora em diante serei apenas o seu neto. Lutarei pela nossa família com o mesmo orgulho que o avô mostrava sempre que nos reuníamos em torno da pequena e redonda mesa e em cima dela colocava uma refeição para todos nós.
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